24/01/2018

Eu, Tonya

Biografias tendem a tomar partido. Ou jogam lama sobre o biografado ou o transformam em mito. Neste caso, Eu, Tonya tem um pouco de ambos. Para quem não sabe Tonya Harding foi uma patinadora artística cujo marido e um amigo planejaram um ataque contra sua principal concorrente, Nancy Kerrigan. O filme mostra a vida dura de Tonya ao lado de uma mãe e um marido agressivos. Também lança perguntas como: os abusos que sofreu por parte destes dois teriam transformado sua personalidade? Será que no fundo ela era a grande vítima de tudo aquilo? 

Talvez. Talvez Tonya fosse burra o bastante para achar que cartas ameaçadoras poderiam deixar Nancy Kerrigan nervosa a ponto de não conseguir competir, mas a coisa acabou ficando muito mais complicada. Tonya estava cercada de tolos e poder nas mãos de tolos faz um estrago terrível.

É notório que também havia um certo preconceito por parte dos jurados de patinação contra Tonya. Por mais que se esforçasse ela não conseguia alcançar as notas que ela julgava merecer. E segundo estes mesmos jurados não é apenas a patinação que importava. A moça era pobre, sem educação, não possuía o refinamento, a polidez de suas adversárias e os jurados não gostavam disso. Em determinado momento cansada de ser sempre colocada pra trás vai tirar satisfação com o júri e manda todos às favas. Em outro momento confronta um dos jurados que é categórico em dizer que ela não tinha o que eles esperavam de uma patinadora para representar os EUA. Coitada. 

Acontece que Tonya não era dessas pessoas que desistem facilmente das coisas. Ela estava disposta a vencer a todo custo e foi buscar o que eles esperavam dela. Talento ela tinha, precisava apenas ser orientada corretamente.

O mérito desse filme é lançar uma nova luz sobre a história de Tonya Harding. Ela era vista como uma vilã capaz de mandar quebrar a perna da concorrente, porém era apenas uma garota perdida, no meio de leões e hienas. Não que ela fosse inocente, ela havia cometido muitos erros e o maior deles foi ter se casado com Jeff que no filme é interpretado por Sebastian Stan, o Bucky Barnes dos filmes do Capitão América, mas ela queria sair do inferno que era viver com sua mãe e seu meio-irmão molestador. Infelizmente Jeff foi o primeiro que apareceu, caso contrário, ela poderia ter tido um destino diferente. Tonya é apenas uma moça comum, com sonhos, sonhos que a elite conservadora não acha que pessoas como Tonya podem ter. 

Indicado a três prêmios da Academia, Eu, Tonya deve levar pelo menos um, melhor atriz coadjuvante para Allison Janney. Para quem assistiu “Preciosa – Uma História de Esperança” e viu o trabalho de Mo’Nique como aquela mãe perturbada, mas sobretudo cruel, a personagem de Janney não deve em nada, mas é Margot Robbie que transforma o filme no que ele é. Sua Tonya tem a sutileza e a falta dela no tempo certo. Se Tonya apanha, ela bate de volta, mas nem sempre consegue. A cena em que tenta sorrir no meio de todo aquele tormento é de uma beleza e tristeza irretocáveis, dignos de atriz de talento superlativo. Margot Robbie pode até não ganhar o Oscar, mas merecia.

Outra coisa interessante do filme está na forma como ele se comunica com sua audiência, existe esse tom documental em que eles contam os fatos sobre os seus pontos de vista além da sacada de colocar os personagens se dirigindo ao espectador.

Eu, Tonya é um filme que vale a pena ser visto principalmente por mostrar que toda história tem sempre dois lados, a nossa e a dos outros.

2 comentários:

Unknown disse...

Muitas vezes os inimigos não são os nossos adversários, eles estão ao nosso lado, vivem e moram connosco.

Sergio Bastos Junior disse...

Excelente resenha! Me interessei pelo filme!

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