31/01/2018

The Post

The Post - A Guerra Secreta (mais um subtítulo desnecessário) entra na disputa do Oscar com apenas duas indicações, o que me soa como caridade, prêmio de consolação. Uma pena que a Academia este ano tenha olhado pro lado errado e queira exaltar Três Anúncios Para um Crime. The Post é Steven Spielberg em sua melhor forma, uma verdadeira aula de como fazer cinema, coisa que seu concorrente ainda tem muito que aprender.

Assim que o filme começa vemos logo o emaranhado de mentiras que o governo americano andava contando pro seu povo durante muito tempo. Seus políticos sabiam mais sobre a guerra do Vietnã do que diziam e mesmo assim mandavam vários jovens para frente de batalha. Bob MacNamara, secretário de Estado, pede para que se faça um estudo a respeito, contudo tais documentos caem nas mãos da imprensa. É aí que vemos o circo pegar fogo porque se de um lado o The Times sai na frente publicando ter posse de tais documentos, e por isso acaba sendo impossibilitado pelo governo de publicar, o The Washington Post correu atrás do prejuízo e consegue os mesmos documentos. O que vemos durante o filme é a luta do editor chefe do Post, Ben Bradlle (Tom Hanks) em tentar publicar e as dificuldades da editora e dona do jornal, Kay Graham (Meryl Streep) em se decidir se o que eles sabem será ou não publicado. 

No momento, Kay está abrindo o capital da empresa na bolsa, ela corre o risco de poder ver seus investidores pulando fora do barco caso autorize a publicação e claro o seu conselho administrativo, seus advogados estão em polvorosa com tudo aquilo, eles tentam lhe advertir e coibir do que poderá acontecer se ela assim o fizer. Toda essa tensão está imersa no filme que tem um ritmo ágil, Spielberg maneja a câmera de tal maneira conseguindo ângulos excepcionas fazendo com que os extensos diálogos não pareçam por demais arrastados, e melhor, nada parece didático devido ao acúmulo de informações históricas. Justamente por isso seu final é o que menos importa já que isso tudo é baseado em fatos reais e qualquer um tem acesso, o que conta aqui e como se chegou aquilo tudo.

Em determinado momento, Bem diz à Kay "é assim que as coisas funcionam, políticos e imprensa confiam um no outro para irem aos jantares e tomarem coquetéis, contarem piadas enquanto há uma guerra enfurecida no Vietnã". Políticos e jornalistas não podiam ser amigos, ele percebeu isso há tempo. Políticos sempre serão uma fonte para o trabalho do jornalista e estes não podiam ter dos dois mundos. E a chave do filme está justamente aí quando em determinado momento uma jornalista  do Post repete para os colegas a frase do juiz que dá a sentença do caso: "a imprensa serve aos governados e não aos governantes."

The Post foi indicado ao Oscar de melhor filme e melhor atriz (Meryl Streep, claro), mas poderia ter recebido indicações para melhor ator (Tom Hanks, magistral em uma de suas melhores interpretações no cinema), roteiro, edição, trilha sonora e claro, direção. Se Steven Spielberg se perde quando resolve fazer filmes rocambolescos, ele acerta quando tem uma boa história que não precise de pirotecnia. 

30/01/2018

O Artista do Desastre

O que esperar de um filme produzido, dirigido e estrelado por James Franco? Uma boa surpresa, claro. O ator não tem medo de se jogar, quando viu que poderia se tornar apenas mais um galã em Hollywood deu vários passos pra trás naquilo que consideravam para sua carreira e começou a arregaçar as mangas construindo para si mesmo filmes não convencionais. Algumas vezes dando certo outras não, porém deixou claro quem mandava em sua carreira.

E foi assim com O Artista do Desastre. Além de dirigir o filme assistimos Franco personificar a figura de Tommy Wiseau, um homem que ninguém sabe a idade, nem de onde veio nem tampouco a procedência de sua grana sem fim. Tommy aspira ser um ator e faz aulas de teatro e é numa dessas aulas que ele conhece o jovem Greg Sestero (Dave Franco) outro aspirante a ator. Eles rapidamente se tornam amigos e fazem um pacto para lutar juntos pelo estrelato. Se mudam para Los Angeles para tentar a sorte e as coisas não saem como Tommy esperava, ele realmente acredita no seu talento, mas ele é excêntrico demais para os padrões da indústria cinematográfica americana e percebe que talvez seja melhor desistir, contudo Greg não o deixa fazer isso e o convence a não parar, é aí que Tommy decide fazer seu próprio filme.

A partir daí vemos como Tommy escreve, produz, dirige e estrela seu próprio filme, The Room. O narcisismo de Tommy e sua autoestima da porra parecem não ter fim. Ele compra equipamentos para surpresa da loja que normalmente só aluga, contrata uma equipe, realiza audições para escolher seu elenco. Tudo da maneira mais extravagante possível. E tudo que vemos no filme, ocorreu de fato. Adaptado a partir do livro escrito pelo próprio Greg Sestero ao lado de Tom Bissel, The Disaster Artist: My Life Inside The Room, the Greatest Bad Movie Ever Made, a história foca na amizade dos dois e nos bastidores da produção deste que é considerado por vários críticos como o pior filme já feito.

Franco não teve medo de ir fundo nessa história que tem um roteiro bem construído, tanto que recebeu uma indicação ao Oscar. Ele também chegou a ser considerado favorito ao prêmio de melhor ator depois que ganhou o Globo de Ouro, mas acusações de assédio contra ele pipocaram logo depois e há quem defenda que foi isso que o retirou dos nomeados. Cá pra nós, eu tenho minhas dúvidas, afinal foi Daniel Day-Lewis que entrou no páreo e como concorrer com um homem desses, bicho? Contudo, Franco está de fato muito bom. Sua entrega foi tanta que ele parece com Wiseau principalmente no olhar de peixe morto.

Com certeza Franco viu muitas coisas em comum entre ele e Wiseau. Ambos foram atrás de realizar seus próprios projetos, claro que um foi abençoado com talento e outro não, mas os dois correram atrás de seus sonhos e possuíam pessoas que acreditaram neles. Enquanto Wiseau tem Sestero ao seu lado, Franco tem o próprio irmão e justamente por isso o convidou para interpretar Sestero. Mas porque fazer um filme com uma história tão estapafúrdica? Por isso mesmo. É tudo tao improvável que funciona e, pasmem, The Room pode ser um fracasso pela crítica, na época de seu lançamento arrecadou mil e oitocentos dólares tendo um orçamento que, dizem, ultrapassou os seis milhões, mas  com o passar do tempo se tornou um filme cult e lucrativo com sessões lotadas à meia-noite em muitos lugares do mundo.

É, parece que Wseau e Franco tinham mesmo muita coisa em comum.

29/01/2018

A Forma da Água

Elisa (Sally Hawkins) é uma moça muda e solitária que todos os dias faz as mesmas coisas. Seu despertador a acorda,  ela levanta e prepara seu banho na banheira onde se masturba, faz sua comida, engraxa os sapatos, arranca uma folhinha do calendário e lê a citação do dia. Ela ainda encontra tempo para visitar Giles (Richanrd Jenkins), seu vizinho também solitário. Um desenhista desempregado que tenta conseguir um freelancer ou reaver seu antigo emprego de volta e, quiçá, ter uma chance com o dono da lanchonete que frequenta assiduamente. Elisa trabalha como faxineira numa instalação do governo e tem como colega de trabalho a falastrona Zelda (Octavia Spencer) que passa o dia reclamando do marido.

Tudo parece que será sempre assim até que sua rotina é alterada com a chegada de uma criatura híbrida que vive na água e está a ser mantida presa pelo governo americano. De alguma forma a tal criatura chama a atenção de Elisa e por isso procura uma maneira de se comunicar com aquele ser que lhe provoca encantamento. Infelizmente para desespero dela o interesse do governo é matá-lo e dissecá-lo para estudos ao mesmo tempo em que o governo soviético almeja destruí-lo para evitar que os americanos saibam mais que eles. Elisa então tem pouco tempo para salvar o ser pelo qual se afeiçoara das mãos do cruel Richard (Michael Shannon).

O que vemos surgir é uma história construída pelas hábeis mãos de Guillermo del Toro. O  cineasta que nos deu O Labirinto do Fauno nos traz agora um verdadeiro libelo sobre o amor. O amor que não possui barreiras pra se manifestar. Elisa leva para a misteriosa criatura, comida e música, impossível não gostar das duas coisas, ela provavelmente deve ter pensando assim. Não foi diferente para ele e de fato não foi difícil para que eles conseguissem rapidamente se conectar. O encontro de seres  tão distintos e improváveis que se conectam porque ambos são solitários e não estão felizes. Na verdade todos neste filme são pessoas solitárias e não estão nada satisfeitos com suas vidas. O espião russo Dr. Hoffstetler (mais um excelente trabalho de Michael Stuhlbarg) não concorda com os americanos nem  com os compatriotas sovi[eticos e acaba sendo uma peça chave no desenvolvimento do roteiro e talvez seja dele uma das melhores frases do filme "Não há lucro no peixe da semana passada". 

A Forma da Água é um filme terno e com uma edição ágil, reconstrói uma época não apenas no figurino e no perfeito design de produção, mas também em sua trilha sonora que tem o primor de contar com Carmen Miranda cantando Chica Chica Boom Chic. São esses detalhes tão preciosos que dão elegância e fazem o filme fluir de uma maneira delicada e harmoniosa. Não é a toa que está concorrendo a treze categorias no Oscar este ano e se não fosse o fato de Hollywood estar imersa nesses escândalos de assédio sexual poderia fazer bonito e ganhar facilmente quase todas elas, mas  os membros da Academia preferiram se voltar ao estranho e vazio enredo de Três Anúncios para Um Crime.

Em tempo, Guillermo del Toro está sendo acusado de plágio e isso pode diminuir mais ainda as chances do filme. Uma pena.

27/01/2018

Três Anúncios Para Um Crime

Grande vencedor do Globo de Ouro, Critic's Choice e Sag Awards, Três Anúncios Para Um Crime chega ao Oscar cheio de moral com sete indicações, mas  ele mereceu isso tudo? Definitivamente não.

Vamos à sua história. Mildred (Frances McDormand) é uma mulher que tenta descobrir quem estuprou e matou sua filha, ela parece ter esquecido de qualquer outra coisa e luta por justiça como qualquer mãe ou pai fariam, acontece que ela está tão cega que acaba indo longe demais. Na verdade todos no filme estão indo longe demais, é a raiva que os move o tempo todo, mas no caso de Mildred ela vai mais longe ao colocar anúncios na rodovia próxima à sua casa cobrando das autoridades respostas para seu caso. Não é apenas a  polícia local que fica nervosa, mas toda a pequena cidade de Ebbing também. 

Do padre ao dentista todos estão enfurecidos com Mildred. Seu filho começa a ser hostilizado na escola, mas nada disso a faz parar, ela literalmente manda todos às favas: expulsa o padre de sua casa, fura o dedo do dentista quando ele a interpela, bate em dois adolescentes que sujam seu carro, põe fogo na delegacia depois que queimam seus anúncios e por aí vai. 

Eu confesso que depois de assistir Três Anúncios Para Um Crime percebi que há muito mais propaganda do que filme em si. Sua trama tinha tudo para ser interessante, a crítica social é clara, mas ele é vago e um dos motivos para que eu tenha criado ranço do filme está justamente numa atriz que até ontem eu sempre gostei de seu trabalho: Frances McDormand. Mais uma vez ela faz uma recriação de si mesma,  uma caricatura de mais uma mulher amarga que muito me lembra outras que ela já fez só que dessa vez sem nenhum tipo de emoção que nos aproxime de sua dor. Infelizmente ela é favorita ao Oscar e isso em muito me entristece.

Quem também pode vencer o Oscar, neste caso de melhor ator coadjuvante, é Sam Rockwell, aquele típico ator que a gente já viu em vários filmes, mas nunca lembra de seu nome e agora talvez alguém lembre. Um ator que até hoje só tem feito cuzões e este foi com certeza o maior de todos. Seu personagem é um policial violento, que vive bêbado, tortura e profere discursos imbecis aos quatro cantos. Ao lado dele, Woody Harrelson conseguiu sua terceira indicação ao Oscar por dar vida a um chefe de polícia que tenta colocar ordem nessa bagunça toda, mas como não consegue encontra a solução mais extrema que poderia existir, mas que no filme soou sensata.

A direção e o roteiro também não ajudam o filme em nada. Um enredo como esse merecia um olhar mais cuidadoso, porém é tudo arrastado, pesado mesmo, parece que o diretor achou que tinha uma trama leve demais para conduzir e resolveu forçar mais ainda, porque no final é isso que deixa transparecer, uma trama forçada feita para mostrar que Hollywood é engajada, mas que só engana bobos e distraídos. E no fim o que sobra é aquela pergunta: mas que porra foi essa?

26/01/2018

Me Chame Pelo Seu Nome

Elio (Timothée Chalamet) é um rapaz inteligente, acima da média pros jovens de sua idade, interessado por música e aproveitando muito o verão na Itália ao lado dos pais. Imerso pela vasta cultura que eles  o proporcionam, também sabe usufruir da cidade ao lado dos amigos. Tudo parece ir muito bem, mas a vida sempre reserva agradáveis surpresas. O novo assistente de seu pai chega e ocupa seu quarto, não sabia Elio que Oliver (Armie Hammer) também ocuparia sua vida.

Assim sendo vemos desenrolar uma história delicada de mútua atração. Explorando as lindas e ricas paisagens do interior italiano vemos a relação de Elio e Oliver ir sendo construída. Se no começo Oliver se distanciou sabendo bem o que veria pela frente, Elio não demorou muito para expor o que sentia assim que conseguiu uma oportunidade para isso.

Se Elio é um vulcão em erupção no alto dos seus 17 anos, descobrindo seu corpo e sua sexualidade, Oliver traz a temperança, ele sabe que isso pode não acabar bem e ele tem muito cuidado em lidar com os sentimentos do jovem rapaz desde o começo, ele não quer machucá-lo, mesmo sabendo que em algum momento isso será inevitável.

Dirigido por Luca Guadagnino e tendo como um dos produtores o brasileiro Rodrigo Teixeira (o mesmo de A Bruxa), Me Chame Pelo Seu Nome tem feito bonito por onde passa colecionando críticas favoráveis e aplausos por parte de todos. O romance foi adaptado por James Ivory, sim, o mesmo diretor dos consagrados Uma Janela Para o Amor, Maurice, O Retorno a Howards End e Vestígios do Dia e talvez isso explique o tom extremamente gracioso com que a história é conduzida. Não existe pressa para que as coisas aconteçam e o realizador conseguiu fazer com que a história não se torne monótona.

Não há grandiloquências, coisas que o cinema americano adora fazer, vemos um típico filme europeu que se preocupa apenas em contar uma história, nada mais que isso. E grandes interpretações, não apenas de Timothée Chalamet e Armie Hammer mas também de Michael Stuhlbarg, o pai de Elio. A cena em que ele conforta o filho é de uma beleza tão rara que é impossível não deixar cair uma lágrima ou no minimo marejar os olhos com sua interpretação.

Me Chame Pelo Seu Nome está indicado a quatro prêmios da Academia — melhor filme, melhor ator para Timothée Chalamet, canção original e roteiro adaptado — e talvez façam justiça dando enfim um Oscar para James Ivory pela adaptação. Quanto ao filme, ao seu término constatamos que histórias como a de Elio e Oliver podem acontecer com qualquer pessoa, em qualquer lugar, claro que o romantismo italiano ajuda muito, mas podem acontecer. 

25/01/2018

Lady Bird

Vamos esquecer o péssimo subtítulo em português e nos concentrar aqui. Lady Bird poderia ser apenas mais um filme sobre uma adolescente que não vê a hora de sair da cidade em que vive e ir pra bem longe. O que faz com que ele seja diferente dos demais é que tem um olhar feminino por trás das câmeras. A diretora e roteirista Greta Gerwig já tinha mostrado a que veio em Frances Ha, em que além de escrever também atua e agora se consagra com essa tragicomédia adolescente.

Isso porque quem já passou por essa fase sabe que na adolescência tudo é uma tragicomédia e a vida de Christine, ou melhor, Lady Bird não é diferente. Ela quer ser presidente do grêmio, quer fazer teatro, arruma um namorado, tem vergonha do pai deixá-la na porta do colégio, quer se enturmar com as meninas mais populares, briga e faz as pazes com a melhor amiga e nunca se entende com sua mãe. Quem nunca?

Greta Gerwig reconstrói aqui uma história simples, mas que tem uma delicadeza ímpar. As frustrações e conquistas adolescentes vão surgindo à medida que Lady Bird vai descobrindo seu mundo, o que ela deseja é apenas passar por essa fase e todos nós sabemos que quando ela passa e não volta mais, a gente sente uma saudade imensa afinal não tínhamos boletos pra pagar.

O elenco secundário por sinal dá um show, principalmente Laurie Metcalf conhecida do grande público por ser a mãe de Sheldon em Big Bang Theory. No papel da mãe protetora, atenta demais aos passos da filha e extremamente preocupada com a situação econômica da família já que o marido está desempregado. O filme abre espaço para que a relação entre Lady Bird e sua mãe seja bem explorado assim como a relação com sua melhor amiga, Julie (Beanie Feldstein). Por sinal a atuação desta é um caso à parte, ela rouba a cena em todos os momentos em que aparece e é impossível não se emocionar com sua personagem e sentir empatia por ela.

Lady Bird está indicado a cinco Oscars: atriz (Saoirse Ronan), atriz coadjuvante (Laurie Metcalf), roteiro, direção e filme. Provavelmente pode sair de lá sem nenhuma estatueta dourada, mas cumpriu seu papel. E cumpriu muito bem.

Corra!

Desculpem, mas eu não entendi o motivo pelo qual Corra! tem recebido indicações em prêmios tão importantes. É muito barulho por nada, já vi filmes de terror bem melhores que sequer chegaram tão perto. É angustiante como promete, mas é previsível demais Bem previsível. Na época de seu lançamento houve quem o comparasse com o clássico Adivinhe Quem Vem Para Jantar, eu também acrescentaria o mote de A Chave Mestra. Lógico que o filme tem seus méritos ao colocar um negro como ator principal, normalmente são sempre os negros os primeiros a morrer em filmes de terror, mas tirando isso e a ironia no roteiro, o que mais ele oferece?

Chris (Daniel Kaluuya) é um jovem e promissor fotógrafo que namora Rose (Allison Williams). Eles vão passar o fim de semana na casa dos pais dela e ele está nervoso com o fato. É que ele é negro e não está muito convencido que a família da namorada, que é branca, o aceite. Mesmo assim, e a contragosto do melhor amigo Rod (LilRel Howery), ele parte nessa viagem. O que vemos acontecer em Corra! é uma sucessão de clichês de filmes de terror durante aproximadamente uma hora. Tudo é estranho e feito para provocar sustos na gente durante esse tempo. Confesso que pulei da cadeira no começo, mas logo depois a história vai se desenrolando o suficiente para que esses sustos não se sucedam mais, afinal você já sabe que a coisa ali está muito estranha e que o que a gente mais quer é que Chris corra mesmo pra bem longe dali, porém as peças pregadas no roteiro são feitas pra isso mesmo, eles querem é apenas nos meter medinho.

Acredito que um dos méritos do filme esteja mesmo no estranho humor do diretor, Jordan Peele. Seu filme usa o racismo como pano de fundo ao tecer uma trama em que sorrisos nervosos irão nos acompanhar ao longo da história. A festa que a família de Rose dá, por exemplo, é um verdadeiro show dos horrores. E atenção racistas, vocês não vão entender algumas piadas do filme. Outro mérito do roteiro, contudo esse não é o principal motivo para se assistir o filme.

A razão desse filme existir foi a acertada escolha de Daniel Kaluuya. É graças à sua interpretação que somos levados até essa angústia que ele transmite somada a sensação de desconforto. Se você sofre de ansiedade então fique bem longe porque Daniel está imerso em situações tão densas que vão te levar a querer tomar toda caixa de alprazolan. Mas se por um lado vemos a dor de Chris, é o humor de LilRel Howery que quebra toda essa tensão. Mesmo assim e num elenco de vários acertos, a grande exceção é Catherine Keener, canastrona até segurando uma xícara de chá. Aff!

Corra! foi um grande sucesso de 2017, um dos filmes do ano e além da indicação ao Oscar para Kaluuya, concorre aos prêmios de roteiro, diretor e ainda cravou uma indicação para melhor filme, mas ainda me pergunto se não foi exagero. 

24/01/2018

Eu, Tonya

Biografias tendem a tomar partido. Ou jogam lama sobre o biografado ou o transformam em mito. Neste caso, Eu, Tonya tem um pouco de ambos. Para quem não sabe Tonya Harding foi uma patinadora artística cujo marido e um amigo planejaram um ataque contra sua principal concorrente, Nancy Kerrigan. O filme mostra a vida dura de Tonya ao lado de uma mãe e um marido agressivos. Também lança perguntas como: os abusos que sofreu por parte destes dois teriam transformado sua personalidade? Será que no fundo ela era a grande vítima de tudo aquilo? 

Talvez. Talvez Tonya fosse burra o bastante para achar que cartas ameaçadoras poderiam deixar Nancy Kerrigan nervosa a ponto de não conseguir competir, mas a coisa acabou ficando muito mais complicada. Tonya estava cercada de tolos e poder nas mãos de tolos faz um estrago terrível.

É notório que também havia um certo preconceito por parte dos jurados de patinação contra Tonya. Por mais que se esforçasse ela não conseguia alcançar as notas que ela julgava merecer. E segundo estes mesmos jurados não é apenas a patinação que importava. A moça era pobre, sem educação, não possuía o refinamento, a polidez de suas adversárias e os jurados não gostavam disso. Em determinado momento cansada de ser sempre colocada pra trás vai tirar satisfação com o júri e manda todos às favas. Em outro momento confronta um dos jurados que é categórico em dizer que ela não tinha o que eles esperavam de uma patinadora para representar os EUA. Coitada. 

Acontece que Tonya não era dessas pessoas que desistem facilmente das coisas. Ela estava disposta a vencer a todo custo e foi buscar o que eles esperavam dela. Talento ela tinha, precisava apenas ser orientada corretamente.

O mérito desse filme é lançar uma nova luz sobre a história de Tonya Harding. Ela era vista como uma vilã capaz de mandar quebrar a perna da concorrente, porém era apenas uma garota perdida, no meio de leões e hienas. Não que ela fosse inocente, ela havia cometido muitos erros e o maior deles foi ter se casado com Jeff que no filme é interpretado por Sebastian Stan, o Bucky Barnes dos filmes do Capitão América, mas ela queria sair do inferno que era viver com sua mãe e seu meio-irmão molestador. Infelizmente Jeff foi o primeiro que apareceu, caso contrário, ela poderia ter tido um destino diferente. Tonya é apenas uma moça comum, com sonhos, sonhos que a elite conservadora não acha que pessoas como Tonya podem ter. 

Indicado a três prêmios da Academia, Eu, Tonya deve levar pelo menos um, melhor atriz coadjuvante para Allison Janney. Para quem assistiu “Preciosa – Uma História de Esperança” e viu o trabalho de Mo’Nique como aquela mãe perturbada, mas sobretudo cruel, a personagem de Janney não deve em nada, mas é Margot Robbie que transforma o filme no que ele é. Sua Tonya tem a sutileza e a falta dela no tempo certo. Se Tonya apanha, ela bate de volta, mas nem sempre consegue. A cena em que tenta sorrir no meio de todo aquele tormento é de uma beleza e tristeza irretocáveis, dignos de atriz de talento superlativo. Margot Robbie pode até não ganhar o Oscar, mas merecia.

Outra coisa interessante do filme está na forma como ele se comunica com sua audiência, existe esse tom documental em que eles contam os fatos sobre os seus pontos de vista além da sacada de colocar os personagens se dirigindo ao espectador.

Eu, Tonya é um filme que vale a pena ser visto principalmente por mostrar que toda história tem sempre dois lados, a nossa e a dos outros.

A Voz Suprema do Blues

Viola Davis é uma atriz do mesmo quilate de Meryl Streep. Infelizmente ainda não é tão reconhecida ou tão bem paga quanto (a bem da verdade ...