21/12/2020

A Voz Suprema do Blues

Ma Rainey's Black Bottom
Viola Davis é uma atriz do mesmo quilate de Meryl Streep. Infelizmente ainda não é tão reconhecida ou tão bem paga quanto (a bem da verdade isso acontece por ela ser negra, vamos deixar isso claro). Quem a viu em Dúvida (2008) roubando a cena de Meryl numa sequência de poucos minutos, sabe muito bem o que ela é capaz. Tanto que foi merecidamente indicada ao Oscar pelo feito. Depois disso, ela sempre se mostrou uma atriz visceral no cinema e na TV também (How To Get Away With Murder está aí pra provar). Dito isso, seu amigo Denzel Washington não deve ter tido dúvidas em escalar sua companheira de Um Limite entre Nós (2016) para o papel da mãe do blues, Ma Rainey. Ora, Viola já tinha um Oscar por esse filme ao lado de Denzel, quem sabe ela poderia ganhar outro? 

Pois é. Poderia.

Acontece que A VOZ SUPREMA DO BLUES não é um filme para Viola, nem tampouco é sobre a vida de Ma Rainey. O filme, adaptado de uma peça de teatro, está mais focado nos rapazes de sua banda (interpretados por Chadwick Boseman, Colman Domingo, Glynn Turman e Michael Potts) do que na história da mulher que ensinou Bessie Smith a cantar. Nos poucos momentos que Viola tem em cena ela brilha como sempre, claro, mas é óbvio que poderia ter sido mais, quando aparece é a alma do filme. O fato dela não aparecer mais, obviamente que não foi culpa dela, o roteiro e a direção é que deixam a desejar.

Como eu disse, o filme é uma adaptação de uma peça de teatro que o diretor, George C. Wolfe não fez a menor questão de transformar num filme de fato. Parece teatro filmado, o que é lamentável. A preguiça foi tanta que tudo parece resto de alguma coisa. Cenários, figurinos, parecem sobras de outras produções. Talvez a  grana fosse curta pra pagar o cachê de Viola e Chadwick, não sei, mas é nítido que o diretor deve ter pensado: "não preciso fazer nada já que o texto é muito bom e eu tenho bons atores para dizê-lo", contudo, mesmo em cima dos diálogos de August Wilson, o autor da peça, e das presenças de Viola e Chadwick falta muito para o filme, ou melhor, a peça filmada, chegar lá.

O problema aqui, me parece é que eles resolveram adaptar tudo fielmente e é justamente aí que eles erraram já que o bom uso da câmera, uma boa montagem e o uso do tempo que não deixaria que a gente visse uma história sem cortes fazem a diferença do teatro para o cinema.

Ficaram pontas soltas que o roteiro não desenvolveu nem criou ganchos interessantes. Pra um filme desse porte a presença de Viola nem era necessária. Na verdade, nem a presença de Ma Rainey era necessária. Como disse meu amigo Thiago, o filme já começa errado pelo título. Chadwick é outro que até compõe bem seu personagem, mas a gente sempre vai lembrar dele como o Pantera Negra, não tem jeito.

O que é triste nisso tudo e que a campanha de marketing está pesada pra darem o Oscar pra ele, se isso acontecer será mesmo uma lástima, já que existem outros atores que mereciam bem mais. Dar um prêmio de consolação, acredito que não era algo que Boseman esperava em vida, muito menos que sua memória mereça. Ele merecia mais e merecia um filme melhor também, assim como Viola e todos os outros.

05/12/2020

Era uma vez um sonho

E era uma vez um Oscar.

Ron Howard nunca foi um bom diretor, sempre foi mediano e até no filme que lhe rendeu I-N-J-U-S-T-A-M-E-N-T-E o Oscar (Uma Mente Brilhante) ele não mostra habilidade em conduzir a história. O moço que começou a carreira como ator mirim (nunca gostei desse termo) em algum momento viu que o carisma juvenil não ia durar para sempre e migrou para trás das câmeras. Talvez tivesse continuado onde estava.

Bem, ele colecionou sucessos em filmes mega populares dos anos 80 como Splash, Cocoon, Willow e Parenthood e a partir daí achou que poderia ser um diretor sério e fazer projetos mais audaciosos que mostrassem que ele era um diretor de fato. A mesma coisa que Spielberg fizera. Foi justamente a partir daí que ele mostrou para o mundo como ele é um diretor coxinha, nada inventivo que apela pras soluções mais fáceis a fim de conquistar o público.  Pra indústria do cinema americano, um ator que só faz filmes de ação, ou comédia, não possui o mesmo prestígio, daquele que faz dramas intensos. O mesmo ocorre com o cineasta que para crescer na carreira e oferecerem projetos maiores, precisa fazer filmes com temáticas mais contundentes. Nesse caso Spielberg conseguiu. Ron Howard mesmo em projetos mais densos nunca soube como aquelas histórias poderiam render mais do que ele teimava em fazer. E é justamente isso que vemos em Era uma vez um sonho.

Era uma vez um sonho é uma adaptação bem meia boca do livro de J.D Vance, Era uma vez um sonho: A história de uma família da classe operária e da crise da sociedade americana. O livro retrata a decadência cultural e econômica de uma sociedade e tem feito tanto sucesso que desde 2016 é um best seller. Ele também é indicado para quem deseja compreender como Trump ganhou as eleições no EUA. Honesto, J.D. Vance mostra como a vida é difícil para tantas pessoas, aquelas mesmas pessoas que os americanos não querem reconhecer sua existência. Ele utilizou a sua história de vida para compor um mosaico cruel e verdadeiro dessa sociedade marginal.

Mas não é bem isso que vemos no filme. O que fica é uma família disfuncional. Uma avó que precisa criar o neto já que a filha é instável emocionalmente e a irmã está tentando fugir daquela família.

Ron Howard preferiu tirar todo esse aspecto e centrar apenas na superficialidade dos dramas daquela família. Com um livro como esse em mãos, um exímio diretor teria feito um filme esplêndido, mas o roteiro de Vanessa Taylor, roteirista que foi indicada ao Oscar por A Forma da Água e ao Emmy como produtora de Game of Thrones não saiu do topo do iceberg.

Entretanto, é preciso dar crédito aqui aos atores que de fato tiraram leite de pedra. Glenn Close, irreconhecível como a matriarca da família, é sempre maravilhosa e isso é uma redundância, assim como o trabalho de Amy Adams. Completando o elenco Haley Bennet como a irmã do protagonista é o equilíbrio que aquela família precisa e por fim os jovens Gabriel Basso e Owen Asztalos que compõem o protagonista na adolescência e fase adulta de maneira carismática, sensível e sem estrelismos. O triste é que todos esses atores soberbos poderiam fazer bonito no Oscar.

Poderiam, porque como eu disse no começo desse texto, era uma vez um Oscar. A crítica não perdoou e as chances estão no limbo para todos eles.

Curiosidade: de alguma maneira, o filme precisava se pagar, talvez previram a bomba que estavam se metendo, então muitas marcas transbordam ao longo do filme: Coca-Cola, Sprite, Apple, Dell, Acer, Sony, Mentos, Nintendo, Marlboro, Budweiser, são as mais conhecidas, mas até calculadora e posto de gasolina entrou no orçamento.

04/12/2020

Coringa

A sociedade está doente, carente de informação, busca o tempo todo um herói, alguém que fale por ela, que, sobretudo, lute por ela. Tudo isso está explícito em Coringa, filme de Todd Phillips que rendeu aplausos unânimes da crítica e do público, principalmente pela atuação esmerada de Joaquin Phoenix.

O que vemos aqui como um trabalho de total entrega de Phoenix, num roteiro e direção inspiradores, colocou o filme num patamar até então desconhecido para películas do gênero sempre vistas como algo menor. Ok, sejamos justos. Anos antes, Heath Ledger já havia personificado o personagem em Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) com imensa entrega e vencido um Oscar (póstumo) de melhor ator coadjuvante, o que para muitos foi a interpretação definitiva do bandido com cara de palhaço.  O filme, também muito prestigiado, foi ignorado pela Academia que não o indicou para o prêmio de melhor filme, nem melhor direção. Mas a semente foi plantada e Coringa vai além ao dar voz a um dos maiores vilões dos quadrinhos (talvez o maior) e Joaquin consegue sair da sombra de seu colega.

Coringa já começa a mostrar um homem doente, frágil, que depende de remédios para se manter de pé. Que almeja fazer stand up comedy e tem um emprego horrível como palhaço (ironia?) exibindo cartazes de propaganda. Para acentuar essa fragilidade, ele é agredido por uns garotos.

É notório que toda a raiva do personagem está ali, presente, querendo sair. Ele tenta se conter, mas é impossível. Quando sai em defesa da moça no metrô ele sai em defesa de si mesmo. Matar os rapazes de colarinho branco é a metáfora perfeita para o que a sociedade espera de um herói agora. Eles não querem um homem que voe e tenha uma super força, mas sim alguém como eles.

E a partir daí, Coringa, ou melhor, Arthur Fleck, percebe que a moça que ele supunha namorar estava apenas em seu imaginário. A realidade bateu em sua porta e agora ele tem que lidar com ela, assim como todos nos todos os dias ao sair de casa e enfrentar empregos que não queríamos ter, salários que não merecemos receber, conviver com pessoas que não gostamos.

Essa sociedade mostrada em Coringa não é uma utopia, antes fosse. É a mesma sociedade que eu e você vivemos e para qual estamos mergulhados. Existe um Coringa dentro de muitas pessoas, mas também existe um Batman, só que neste caso, é outra história.

Curiosidade: 16 das 20 marcas de Coringa eram fabricantes de automóveis, contudo a marca mais visível foi a Panasonic que apareceu por quase três minutos do tempo de tela e grande parte são close-ups de suas TVs com o logotipo visível.

A Voz Suprema do Blues

Viola Davis é uma atriz do mesmo quilate de Meryl Streep. Infelizmente ainda não é tão reconhecida ou tão bem paga quanto (a bem da verdade ...